Mais um post sobre palavras


Uma das coisas mais legais da língua inglesa é o fato de ela ser extremamente onomatopeica. A palavra crash (choque, colisão) por exemplo, praticamente explica o seu significado por meio do som. Slap é a mesma coisa: ela nos descreve, nas suas quatro modestas letras, a mão de uma pessoa batendo na cara de outra pessoa, e ainda a dor, a raiva e a decepção envolvidas. Slap e seu p mudo deixam bem claro que as coisas nunca mais serão como antes.

Isso acontece com uma série de palavras: whisper (murmurar), ooze (gotear – mais do que uma palavra, parece o desenho de gotas pingando, pingando…), roar (rugido), sniff (fungar), rip (rasgar), rattle (chocalho), cough (tosse), flutter (bater as asas), bubble (bolha – uma das minhas preferidas), burp (arroto)…

Entretanto, algumas palavras nos descrevem os seus significados de uma forma menos explícita, mas mais poética. É o que me parece, ao menos. Tipo obliviate (esquecer). Para mim, obliviate mostra delicadas bolhas furta-cor subindo e estourando, bolhas flutuando por um instante e desaparecendo para sempre. Obliviate… Que palavra divina!

Obliviate: uma flor nasce num canto da calçada e, em poucos dias, desaparece para sempre...
Obliviate: uma flor nasce num canto da calçada e, em poucos dias, desaparece para sempre…

Trazendo o assunto para o português, defenestrar, com o seu str seguido por um triunfante ar, traz toda a carga dos vidros se quebrando. Ok, sei que não há necessariamente vidros se quebrando quando se fala em defenestrar, mas eles estão lá.

Escrevo este post, na verdade, porque acabei de descobrir que existe a palavra francesa dégringoler. Eu já achava degringolar, no nosso muito lusitano idioma, uma das coisas mais fantásticas do mundo. Sempre imagino uma pessoa rolando morro abaixo, arruinada, o gring descrevendo a dor que ela sente quando bate nas pequenas pedras que pontuam a inexorável descida. E agora ainda posso fazer biquinho e dizer dégringoler. É tão bom que nem parece verdade.

Mas me empolguei e sigo o baile. É que atravanco também tem poesia embutida. Por causa do tr no meio e do teimoso vanco no final, ela soa mais incômoda do que o verbo incomodar. Eu ia dizer que ela soa também mais emperrada do que a palavra emperrar, mas percebi que isso não é verdade. Esses dois rs são a prova de que o que está emperrado não vai se mover tão facilmente, por mais que a gente empurre.

Por fim, acho válido confessar que este é o meu grande problema com a língua japonesa. Não é fácil para mim reclamar do japonês (malditos kanjis!), pois por causa dele conheci amigos muito queridos e, de quebra, o grande amor da minha vida. Mas, por algum motivo, meu cérebro não aceita a ligação de algumas (muitas) palavras com o seu significado. Há exceções, claro. Kokoro (coração) não poderia ser mais apropriada – ela simplesmente descreve as batidas de um coração apaixonado: kokoro, kokoro, kokoro

Enfim, melhor parar por aqui antes que o texto degringole.

 

 

 


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